
Por que Aparecida? Historiador defende que mito da Padroeira do Brasil pode ter nascido sofrendo racismo
Nossa Senhora Aparecida não recebeu o nome do lugar onde foi encontrada, em uma época onde o Vale
do Paraíba era centro de escravidão
A cidade de Aparecida, no interior de São Paulo, é um símbolo em todo o Brasil e para vários lugares do mundo. Casa do Santuário Nacional em homenagem à Nossa Senhora Aparecida, considerada a Padroeira do Brasil, a pequena cidade com menso de 40 mil habitantes recebe milhões de romeiros todos os anos, tudo em prol da fé e da devoção.
Essa história, no entanto, poderia ter sido um pouco diferente. A imagem de Nossa Senhora, que teve milagres atribuídos, foi encontrada por pescadores quando o município ainda não existia, em 1717, no rio Paraíba do Sul. Diferentemente de outras santas ao redor do mundo, ela não recebeu nem o nome do local em que foi encontrada e nem o nome da mensagem trazida. E há quem defenda que o racismo pode ser o principal motivo.
Contextualizando, no século XVIII, os pescadores João Alves, Felipe Pedroso e Domingos Garcia foram ao rio para pescar os peixes que seriam servidos no banquete que a Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá (cidade vizinha ao território da hoje Aparecida) iria oferecer a Dom Pedro de Almeida e Portugal, mais conhecido como o Conde de Assumar, que na época era governador da então Província de São Paulo e Minas Gerais.
Após várias tentativas sem sucesso, os homens conseguiram pescar uma imagem de Nossa Senhora, que veio na rede em dois pedaços: primeiro o corpo e, em seguida, a cabeça. Os pescadores então colocaram a imagem no barco e continuaram a pescaria, que a partir deste momento, foi diferente, enchendo o barco com uma pescaria muito mais favorável.
Muitos conhecem este episódio como o primeiro milagre de Nossa Senhora de Aparecida, porém em um determinado momento de pesquisa, o professor mestre em História pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Diego Amaro notou que diferentemente de outras “Nossas Senhoras”, como Fátima e Lourdes, a imagem da Santa encontrada no rio Paraíba do Sul não recebeu o nome do lugar em que foi achada. Se assim fosse, talvez se chamasse Nossa Senhora de Guaratinguetá ou Nossa Senhora do Paraíba, em alusão à cidade ou ao rio. Ela poderia também ter recebido um nome em referência a atividade exercida, como Nossa Senhora das Graças, mas também não foi o caso.
Para o historiador, que segue fazendo pesquisas relacionadas ao tema, existem evidências de que Nossa Senhora de Aparecida tenha sido vítima de racismo, tendo em vista que Guaratinguetá foi palco de vários episódios preconceituosos – o Vale do Paraíba, na época, era dominado por barões do café, sendo uma área com forte apelo à escravidão.
“Entre as minhas pesquisas, me deparei com esta questão: por que Nossa Senhora Aparecida não recebeu o nome do lugar em que ela apareceu ou então a mensagem que ela trazia? Quando nos deparamos com a história de Guaratinguetá, vemos grandes exemplos de racismo, como a grande dificuldade em aceitar a abolição da escravidão e o tombamento da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos e pobres. Ou seja, alguns elementos que mostram que talvez a cidade do interior paulista não aceitasse uma santa preta”, afirma Diego.
O professor alerta se tratar de uma hipótese, já que não há comprovação documental, mas reforça que existem pilares que sustentem essa teoria, que vão desde a não apropriação do nome do local até a cor da imagem. O nome ‘Aparecida’, então, como referência à imagem ter ‘aparecido’ no rio, passou a ser atribuído, e, posteriormente, ao território, que se desmembrou de Guaratinguetá apenas em 1928 e, aí, recebeu o nome que pelo qual a santa era chamada.
Outras aparições ao redor do mundo
Além de Nossa Senhora Aparecida, outras santas foram encontradas ao redor do mundo. Ao contrário da Padroeira do Brasil, como citado, elas receberam o nome dos locais em que se dão as primeiras informações.
Nossa Senhora de Fátima
Diferentemente de Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora de Fátima, não apareceu de forma física, mas, sim, espiritual. A santa teve sua imagem vista pela primeira vez em 1917 para três crianças, Lúcia, Jacinta e Francisco, em Fátima, Portugal. Na ocasião, os pequenos afirmaram que foi pedido a elas que rezassem o terço todos os dias, para que a 1ª Guerra Mundial terminasse e o mundo conhecesse a paz. Ao todo foram seis aparições que ajudaram a criar o mito em torno da santa.
Nossa Senhora de Lourdes
A história aponta que a imagem teria aparecido diversas vezes nas cercanias de Lourdes, França, na gruta Massabielle, a uma jovem chamada Santa Marie-Bernard Soubirous – chamada de Santa Bernadete. Essa santa deixou por escrito um testemunho que entrou dizia:
“Certo dia, fui com duas meninas às margens do Rio Gave buscar lenha. Ouvi um barulho, voltei-me para o prado, mas não vi movimento nas árvores. Levantei a cabeça e olhei para a gruta. Vi, então, uma senhora vestida de branco; tinha um vestido alvo com uma faixa azul celeste na cintura e uma rosa de ouro em cada pé, da cor do rosário que trazia com ela. Somente na terceira vez, a Senhora me falou e perguntou-me se eu queria voltar ali durante quinze dias. Durante quinze dias lá, voltei; e a Senhora apareceu-me todos os dias, com exceção de uma segunda e uma sexta-feira. Repetiu-me, várias vezes, que dissesse aos sacerdotes para construir, ali, uma capela. Ela mandava que fosse à fonte para lavar-me e que rezasse pela conversão dos pecadores. Muitas e muitas vezes perguntei-lhe quem era, mas ela apenas sorria com bondade. Finalmente, com braços e olhos erguidos para o céu, disse-me que era a Imaculada Conceição”.
Nossa Senhora das Graças
A devoção a Nossa Senhora das Graças tem início em 1830, com as aparições da Virgem Maria a Santa Catarina Labouré, na época freira do convento das Filhas da Caridade, em Paris, na França. Ao todo, foram três aparições que aconteceram no convento, e a santa recebeu este por ser a mãe da medalha milagrosa, que teria combatido a peste negra na França.
Elifas Magalhães
